A reforma agrária necessária
O tema da reforma agrária é
recorrente no Brasil, uma vez que as distorções na distribuição das terras são
gritantes. Vários planos já foram apresentados para a desapropriação de terras
e assentamento de lavradores, porém a força política dos fazendeiros e
latifundiários, normalmente conhecidos como ruralistas, é muito grande nos
meandros do poder.
Eles estão no parlamento
federal com bancadas numerosas e lobistas atuantes, marcam presença nos estados
(poder executivo e legislativo), pressionam juízes, se relacionam com ministros
de estado e se organizam em associações e entidades representantes de
interesses. A União Democrática Ruralista (UDR) é um exemplo desta organização.
De outro lado os
trabalhadores rurais, assalariados, pequenos produtores, índios, dentre outros,
também se organizam no enfrentamento do latifúndio e por condições de vida e
trabalho.
A questão da reforma agrária
se coloca neste quadro de debates e ela avança a partir deste jogo de forças.
É inegável que o Brasil
necessite redistribuir terras e, mais do que isso, criar condições de produção
aos pequenos proprietários, principais responsáveis pela absorção de mão de
obra no campo e, ao mesmo tempo, produtores dos alimentos básicos que abastecem
os supermercados urbanos, as feiras e sacolões espalhados pelo país afora.
Logo após o término dos
governos militares a transição política que teve José Sarney à frente,
denominada de Nova República, anunciou a criação do 1° Plano Nacional de
Reforma Agrária (PNRA) diante do crescente aumento das tensões no campo. O
Plano foi um retumbante fracasso, pois suas metas ficaram muito aquém do
projetado.
É justamente do embate entre
as forças conservadoras (proprietários de terras) e as forças progressistas
(que defendiam a reforma agrária) que nascem em meados dos anos 1980 a UDR e o
MST, pólos opostos na luta e nos objetivos com relação à reforma agrária.
Na sequencia ocorre a
Assembléia que produziu a nova Constituição Federal em 1988. A organização e a
articulação política dos ruralistas com as bancadas na Assembléia, apoiada
fortemente pela mídia, resultaram num texto que, em determinados pontos,
significava um retrocesso até em relação ao Estatuto da Terra do período
militar.
No período seguinte,
notadamente durante o governo Fernando Henrique Cardoso, houve a ampliação e o
estímulo ao agronegócio, em função das diretrizes econômicas vigentes.
As privatizações e a
inserção do Brasil no mercado global motivaram o desenvolvimento econômico em
duas frentes, opostas, mas complementares: de um lado o enfraquecimento do
Estado na regulação econômica e de outro o fortalecimento dos mercados e dos
negócios.
Neste cenário amplia-se o
espaço das lavouras de monocultura e a criação de gado voltado ao mercado
externo (inserção global) e, por outro lado, dada a fragilidade do Estado,
prevalece a lentidão no avanço da reforma agrária.
A eleição de Luiz Inácio
Lula da Silva para presidente, inclusive com forte apoio dos movimentos pela
reforma agrária, criou a expectativa de avanço na distribuição das terras e no
apoio aos trabalhadores rurais, no entanto, na prática observa-se uma lentidão
muito grande na execução do seu programa de assentamentos.
O governo Lula, em
decorrência de suas relações políticas no parlamento e com partidos
conservadores que o apóiam, mantém-se caminhando entre a pressão das forças
conservadoras (bancada ruralista no congresso, por exemplo) e o os movimentos
populares no campo em defesa da reforma agrária.
Enfim, a reforma agrária é
um debate que há décadas se mantém na pauta política nacional e não se
restringe à distribuição de terras.
Nas palavras de Carlos E.
Guanziroli (1998), consultor da FAO/INCRA e professor adjunto da Universidade Federal
Fluminense, A reforma agrária é um meio para o fortalecimento da agricultura
familiar, não é finalidade em si mesma. Apoia-se na premissa de que esta forma
produtiva representa, para os beneficiários e para o País, o melhor caminho
para a incorporação, ao patrimônio produtivo nacional, das superfícies
agrícolas que se encontram subutilizadas. Uma verdadeira reforma agrária, ou
reforma do setor agropecuário, colocará a agricultura familiar no centro de
suas políticas, que não se limitarão ao problema da posse da terra.
Se a reforma agrária
continua em pauta, a questão de como realizá-la, qual sua abrangência e os
instrumentos de sua efetivação, não são consensos. Durante o período de governo
militar entre 1964 e 1984 prevaleceu, por exemplo, a forma da colonização
oficial, que compreendia a ocupação de terras públicas normalmente localizadas
em áreas distantes, resultando na migração forçada de lavradores e a
conseqüente perda de suas raízes. A constituição federal de 1988, por exemplo,
determina em seu artigo 184 que “Compete à União desapropriar por interesse
social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo
sua função social”. Na prática o texto constitucional autoriza a União a propor
a ação de desapropriação declarando o imóvel como de interesse social, para
fins de reforma agrária, caso o referido imóvel não esteja cumprindo sua função
social.
O direito à propriedade,
neste caso, é limitado, uma vez que acima dele está a função social da terra. Ainda
de acordo com a constituição federal não são todas as terras que estão
disponíveis para efeito de reforma agrária, as pequenas propriedades, por
exemplo, não podem ser desapropriadas e as maiores podem desde que não sejam
produtivas.
As terras produtivas são
classificadas como tal, desde que até 80% de sua superfície esteja ocupada pela
atividade econômica e alcance ainda um nível de produtividade médio da região.
Outra questão que envolve a
desapropriação das terras é o preço a ser pago pelo imóvel. A Constituição
determina que os imóveis sejam desapropriados “mediante prévia e justa indenização
em títulos da dívida agrária, com cláusulas de preservação do seu valor real.”
Neste caso, o preço justo é arbitrado pela justiça e a base de cálculo é o
valor de mercado.
Um dos questionamentos desta
determinação constitucional é que o valor a ser pago deveria ser um preço
social, uma espécie de penalização do latifúndio improdutivo, que forçasse,
inclusive, o seu proprietário a produzir. No caso das desapropriações prevê-se
que a cessão da terra se dará mediante concessão do direito real de uso, o que
significa a manutenção sob controle do estado, do direito de propriedade da
terra. De qualquer forma a implantação de uma reforma agrária no Brasil traria
resultados positivos para os trabalhadores do campo de forma imediata e para os
trabalhadores urbanos de forma indireta.
Em geral, os benefícios da
reforma agrária resultariam na maior fixação dos camponeses à terra, reduzindo
os fluxos de migração interna e o êxodo rural; provocaria o aumento da produção
de alimentos de consumo básico da população; também no aliviamento das tensões
no campo e, consequente, redução das mortes e conflitos; na redução da fome; no
incremento da produção industrial e na geração de empregos.
Neste último caso é
ilustrativo um artigo do Prof. José Graziano da Silva que aponta os custos da
geração de empregos no Brasil. O setor de bens de capitais necessita de
investimentos da ordem de R$ 140.500 para a criação de vagas, o químico e
petroquímico R$ 126.000, o metalúrgico R$ 93.000 e o de bens de consumo
duráveis R$ 14.200.
No campo, para um pequeno
lavrador que já possui a terra, numa pequena propriedade que utilize muita mão
de obra e pouca tecnologia, o emprego gerado consumiria apenas R$ 1.200 em
investimentos. Na média propriedade, com trabalho familiar, o valor sobe para
R$ 4.400 e na grande, que utiliza uma tecnologia mais avançada R$ 10.100.
A que se considerar ainda
que a execução da reforma agrária elevaria o nível de atividade econômica,
gerando maior circulação de mercadorias e o correspondente recolhimento de
impostos. Desta forma, parte dos recursos aplicados reverteria para o próprio
estado no aumento da arrecadação, além dos inegáveis benefícios sociais.
Os países ricos já passaram
por processo semelhante de equacionalização do uso e distribuição da terra.
Como se desenvolveria o setor agropecuário no Japão, por exemplo, se
persistisse uma estrutura fundiária apoiada no latifúndio improdutivo? Os
Estados Unidos, centro econômico e político do capitalismo mundial determinou,
quando da ocupação do oeste, um limite de terras no tamanho das propriedades, a
fim de evitar a concentração e seus resultados nefastos para o desenvolvimento
econômico.
Terminamos esta aula com um
pensamento do Prof. Ariovaldo U. de Oliveira (2001), geógrafo especialista na
questão agrária brasileira. Assim, o debate sobre a reforma agrária continua sendo
uma questão aberta na sociedade brasileira, e o aumento dos conflitos no campo
e o crescimento dos movimentos sociais revelam que, mais cedo ou mais tarde, o
país terá que fazer uma ampla e profunda reforma agrária; ou então terá que
continuar a conviver com uma das estruturas fundiárias mais concentradas do
mundo e com os maiores latifúndios que a história da humanidade já registrou. A
reforma agrária, além de resolver a maior parte dos problemas estruturais que
existem no campo brasileiro, permitirá ampliar a oferta de alimentos e resolver
o problema crônico da fome e do desemprego - enfim, da miséria que envolve
milhões de brasileiros.