domingo, 25 de novembro de 2012

A REFORMA AGRÁRIA NECESSÁRIA


A reforma agrária necessária
O tema da reforma agrária é recorrente no Brasil, uma vez que as distorções na distribuição das terras são gritantes. Vários planos já foram apresentados para a desapropriação de terras e assentamento de lavradores, porém a força política dos fazendeiros e latifundiários, normalmente conhecidos como ruralistas, é muito grande nos meandros do poder.
Eles estão no parlamento federal com bancadas numerosas e lobistas atuantes, marcam presença nos estados (poder executivo e legislativo), pressionam juízes, se relacionam com ministros de estado e se organizam em associações e entidades representantes de interesses. A União Democrática Ruralista (UDR) é um exemplo desta organização.
De outro lado os trabalhadores rurais, assalariados, pequenos produtores, índios, dentre outros, também se organizam no enfrentamento do latifúndio e por condições de vida e trabalho.
A questão da reforma agrária se coloca neste quadro de debates e ela avança a partir deste jogo de forças.
É inegável que o Brasil necessite redistribuir terras e, mais do que isso, criar condições de produção aos pequenos proprietários, principais responsáveis pela absorção de mão de obra no campo e, ao mesmo tempo, produtores dos alimentos básicos que abastecem os supermercados urbanos, as feiras e sacolões espalhados pelo país afora.
Logo após o término dos governos militares a transição política que teve José Sarney à frente, denominada de Nova República, anunciou a criação do 1° Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) diante do crescente aumento das tensões no campo. O Plano foi um retumbante fracasso, pois suas metas ficaram muito aquém do projetado.
É justamente do embate entre as forças conservadoras (proprietários de terras) e as forças progressistas (que defendiam a reforma agrária) que nascem em meados dos anos 1980 a UDR e o MST, pólos opostos na luta e nos objetivos com relação à reforma agrária.
Na sequencia ocorre a Assembléia que produziu a nova Constituição Federal em 1988. A organização e a articulação política dos ruralistas com as bancadas na Assembléia, apoiada fortemente pela mídia, resultaram num texto que, em determinados pontos, significava um retrocesso até em relação ao Estatuto da Terra do período militar.
No período seguinte, notadamente durante o governo Fernando Henrique Cardoso, houve a ampliação e o estímulo ao agronegócio, em função das diretrizes econômicas vigentes.
As privatizações e a inserção do Brasil no mercado global motivaram o desenvolvimento econômico em duas frentes, opostas, mas complementares: de um lado o enfraquecimento do Estado na regulação econômica e de outro o fortalecimento dos mercados e dos negócios.
Neste cenário amplia-se o espaço das lavouras de monocultura e a criação de gado voltado ao mercado externo (inserção global) e, por outro lado, dada a fragilidade do Estado, prevalece a lentidão no avanço da reforma agrária.
A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para presidente, inclusive com forte apoio dos movimentos pela reforma agrária, criou a expectativa de avanço na distribuição das terras e no apoio aos trabalhadores rurais, no entanto, na prática observa-se uma lentidão muito grande na execução do seu programa de assentamentos.
O governo Lula, em decorrência de suas relações políticas no parlamento e com partidos conservadores que o apóiam, mantém-se caminhando entre a pressão das forças conservadoras (bancada ruralista no congresso, por exemplo) e o os movimentos populares no campo em defesa da reforma agrária.
Enfim, a reforma agrária é um debate que há décadas se mantém na pauta política nacional e não se restringe à distribuição de terras.
Nas palavras de Carlos E. Guanziroli (1998), consultor da FAO/INCRA e professor adjunto da Universidade Federal Fluminense, A reforma agrária é um meio para o fortalecimento da agricultura familiar, não é finalidade em si mesma. Apoia-se na premissa de que esta forma produtiva representa, para os beneficiários e para o País, o melhor caminho para a incorporação, ao patrimônio produtivo nacional, das superfícies agrícolas que se encontram subutilizadas. Uma verdadeira reforma agrária, ou reforma do setor agropecuário, colocará a agricultura familiar no centro de suas políticas, que não se limitarão ao problema da posse da terra.
Se a reforma agrária continua em pauta, a questão de como realizá-la, qual sua abrangência e os instrumentos de sua efetivação, não são consensos. Durante o período de governo militar entre 1964 e 1984 prevaleceu, por exemplo, a forma da colonização oficial, que compreendia a ocupação de terras públicas normalmente localizadas em áreas distantes, resultando na migração forçada de lavradores e a conseqüente perda de suas raízes. A constituição federal de 1988, por exemplo, determina em seu artigo 184 que “Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social”. Na prática o texto constitucional autoriza a União a propor a ação de desapropriação declarando o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, caso o referido imóvel não esteja cumprindo sua função social.
O direito à propriedade, neste caso, é limitado, uma vez que acima dele está a função social da terra. Ainda de acordo com a constituição federal não são todas as terras que estão disponíveis para efeito de reforma agrária, as pequenas propriedades, por exemplo, não podem ser desapropriadas e as maiores podem desde que não sejam produtivas.
As terras produtivas são classificadas como tal, desde que até 80% de sua superfície esteja ocupada pela atividade econômica e alcance ainda um nível de produtividade médio da região.
Outra questão que envolve a desapropriação das terras é o preço a ser pago pelo imóvel. A Constituição determina que os imóveis sejam desapropriados “mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusulas de preservação do seu valor real.” Neste caso, o preço justo é arbitrado pela justiça e a base de cálculo é o valor de mercado.
Um dos questionamentos desta determinação constitucional é que o valor a ser pago deveria ser um preço social, uma espécie de penalização do latifúndio improdutivo, que forçasse, inclusive, o seu proprietário a produzir. No caso das desapropriações prevê-se que a cessão da terra se dará mediante concessão do direito real de uso, o que significa a manutenção sob controle do estado, do direito de propriedade da terra. De qualquer forma a implantação de uma reforma agrária no Brasil traria resultados positivos para os trabalhadores do campo de forma imediata e para os trabalhadores urbanos de forma indireta.
Em geral, os benefícios da reforma agrária resultariam na maior fixação dos camponeses à terra, reduzindo os fluxos de migração interna e o êxodo rural; provocaria o aumento da produção de alimentos de consumo básico da população; também no aliviamento das tensões no campo e, consequente, redução das mortes e conflitos; na redução da fome; no incremento da produção industrial e na geração de empregos.
Neste último caso é ilustrativo um artigo do Prof. José Graziano da Silva que aponta os custos da geração de empregos no Brasil. O setor de bens de capitais necessita de investimentos da ordem de R$ 140.500 para a criação de vagas, o químico e petroquímico R$ 126.000, o metalúrgico R$ 93.000 e o de bens de consumo duráveis R$ 14.200.
No campo, para um pequeno lavrador que já possui a terra, numa pequena propriedade que utilize muita mão de obra e pouca tecnologia, o emprego gerado consumiria apenas R$ 1.200 em investimentos. Na média propriedade, com trabalho familiar, o valor sobe para R$ 4.400 e na grande, que utiliza uma tecnologia mais avançada R$ 10.100.
A que se considerar ainda que a execução da reforma agrária elevaria o nível de atividade econômica, gerando maior circulação de mercadorias e o correspondente recolhimento de impostos. Desta forma, parte dos recursos aplicados reverteria para o próprio estado no aumento da arrecadação, além dos inegáveis benefícios sociais.
Os países ricos já passaram por processo semelhante de equacionalização do uso e distribuição da terra. Como se desenvolveria o setor agropecuário no Japão, por exemplo, se persistisse uma estrutura fundiária apoiada no latifúndio improdutivo? Os Estados Unidos, centro econômico e político do capitalismo mundial determinou, quando da ocupação do oeste, um limite de terras no tamanho das propriedades, a fim de evitar a concentração e seus resultados nefastos para o desenvolvimento econômico.
Terminamos esta aula com um pensamento do Prof. Ariovaldo U. de Oliveira (2001), geógrafo especialista na questão agrária brasileira. Assim, o debate sobre a reforma agrária continua sendo uma questão aberta na sociedade brasileira, e o aumento dos conflitos no campo e o crescimento dos movimentos sociais revelam que, mais cedo ou mais tarde, o país terá que fazer uma ampla e profunda reforma agrária; ou então terá que continuar a conviver com uma das estruturas fundiárias mais concentradas do mundo e com os maiores latifúndios que a história da humanidade já registrou. A reforma agrária, além de resolver a maior parte dos problemas estruturais que existem no campo brasileiro, permitirá ampliar a oferta de alimentos e resolver o problema crônico da fome e do desemprego - enfim, da miséria que envolve milhões de brasileiros.