quarta-feira, 5 de agosto de 2020

ESTRANHOS A NOSSA PORTA (BAUMAN, ZIGMMUND)


O sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925 – 2017) legou um importante estudo sobre o fluxo migratório na Europa que se convencionou chamar de crise migratória como uma grande tragédia que se abateu sobre as populações migrantes.

A análise baumaniana identifica as condicionantes psicológicas que abrem um flanco para o ódio, o medo e a rejeição das populações europeias quanto aos migrantes económicos e refugiados de guerras, assim como aborda diversos ângulos das agruras e violações (físicas e psicológicas) a que estão sujeitas as populações migrantes no solo europeu.

Problematiza sobre, o sentimento de ameaça ao bem estar da sociedade europeia sobre  o sonho do mundo idealizado pelo liberalismo, por isso, explica que a fragilidade existencial e a precariedade das condições sociais humanas nos tempos globalizados, insuflada pela competição pelo mercado de trabalho e melhores condições de vida, criam uma profunda incerteza e medo nas sociedades invadidas pelos (estranhos/migrantes), que batem a (nossa porta/países europeus) e a quem se torna mais fácil culpar por todos os males gerados pela conjuntura política e económica da globalização.

De certa forma, Bauman, neste ponto, assemelha-se aos críticos da globalização hegemónica. Neste mesmo sentido está associado as pesquisas de Milton Santos na sua obra (Território, Globalização e Fragmentação) que aponta as mazelas da globalização.

Em primeiro lugar, porque a tragédia migratória tem como causa, em parte, as ações desastradas, mal conduzidas e calamitosas das expedições militares do mundo desenvolvido em países como Afeganistão, Iraque, Síria, entre outros Estados falidos

Essas intervenções, que buscaram substituir muitas vezes Estados ditatoriais, geraram desordem e violência por parte de grupos tribais e sectários, instigados pelo comércio global de armas, que é mantido pela indústria armamentista globalizada em busca de lucros.

Para Bauman, num mundo tomado por Estados (fracos/países de economia pobre), quase submersos em termos políticos, económicos e de proteção aos direitos de suas populações, estimulou- -se uma série de guerras tribais, sectárias e o banditismo.

Num mundo cada vez mais desregulado, desterritorializado e fora de ordem, a chegada dos migrantes provoca estranheza e receios de ordem económico-política, cultural e social nas populações receptoras, assim como medo de que sua segurança física esteja ameaçada.

Para Bauman esse pânico geraria animosidade, estímulo ao abuso e violência para com os migrantes, que já estão em situação de trágica vulnerabilidade

Bauman alerta inclusive para os perigos do oportunismo político, em que os partidos políticos, através das figuras públicas de seus candidatos, e os próprios mediam e ampliam o discurso xenófobo, racista sem precedentes, no intuito de angariar dividendos eleitorais ao promoverem soluções como (muros, cercas, deportações e outros obstáculos).

Enfim, Bauman, responde que o efeito colateral da globalização não está na construção de muros, na deportação maciça de imigrantes ou na criminalização e exclusão dos migrantes, mas encontra-se no diálogo multicultural, no intercâmbio e na compreensão mútua, no respeito recíproco para negociar conjuntamente a superação dos obstáculos.

 

BAUMAN, Zigmmund. Estranhos à nossa porta. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.

SANTOS, Milton; Maria A. SOUZA; SILVEIRA, Maria L. Território, Globalização e Fragmentação. São Paulo: Hucitec, 1994.

 

Ademir Junior: Mestre em Psicologia Educacional/Pesquisador em Educação.