sábado, 15 de agosto de 2020

AS SEMELHANÇAS E DIVERGÊNCIAS ENTRE O ECA E SINAJUVE

Resumo

Este artigo tem por objetivo refletir sobre o avanço histórico de leis protetivas, que culminaram na formalização do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei Federal nº 8.069/1990) que substituiu o Código de Menores, e das Políticas Públicas que legitimou no Estatuto da Juventude Lei n° 12.852, de 05/08/2013. Para este intento utilizou-se o método histórico-genealógico fundamentado em Michel Foucault. Na análise documental, foi identificada a evolução histórica das políticas públicas dos Estatutos da Criança e Adolescentes e do Estatuto da Juventude, da recente compreensão dos direitos das crianças, adolescentes e juventude. A relevância desse estudo se efetiva, devido a preocupação sobre a percepção dos indivíduos envolvidos, desde as crianças, como os adolescentes e jovens reconhecidos pelos Estatutos como sujeitos de direitos. O resultado aponta que devido às várias desigualdades no Brasil e falta de perspectiva educacional, adolescentes em situação de fragilidade econômica buscam o mercado de trabalho que permite o consumo, e através deste mecanismo social forjam uma ideia sobre essa transição, atribuindo noções, significados e papeis sociais de diferentes maneiras.

 

Palavras Chaves: Estatuto da Criança e do Adolescente - Estatuto da Juventude – Transição – Consumo.

 

ABSTRACT

This article aims to reflect on the historical advance of protective laws, which culminated in the formalization of the Child and Adolescent Statute (ECA, Federal Law nº 8.069 / 1990) that replaced the Minors Code, and the Public Policies that it legitimized in the Statute Youth Law No. 12,852, of 05/08/2013. For this purpose, the historical-genealogical method based on Michel Foucault was used. In the documentary analysis, the historical evolution of the public policies of the Child and Adolescent Statutes and the Youth Statute, of the recent understanding of the rights of children, adolescents and youth, was identified. The relevance of this study is effective, due to the concern about the perception of the individuals involved, from children, as adolescents and young people recognized by the Statutes as subjects of rights. The result shows that due to the various inequalities in Brazil and lack of educational perspective, adolescents in situations of economic fragility seek the job market that allows consumption, and through this social mechanism they forge an idea about this transition, assigning notions, meanings and roles different ways.

 

Keywords: Child and Adolescent Statute - Youth Statute - Transition - Consumption.

 

INTRODUÇÃO

Para este intento utilizou-se o método histórico-genealógico fundamentado em Michel Foucault. Na análise documental foi identificado a evolução histórica das políticas públicas dos Estatutos da Criança e Adolescentes e do Estatuto da Juventude, da recente compreensão dos direitos das crianças, adolescentes e juventude.

A reflexão sobre este assunto surge devido a preocupação de entender historicamente como crianças, adolescentes e jovens passaram a ser percebido como sujeitos de direitos como proposto no atual Estatuto da Criança e Adolescente e o Sistema Nacional da Juventude.

A contribuição no âmbito acadêmico se deve à necessidade de discutir os estatutos devido à emergência na contemporaneidade, na medida em que ambos possuem semelhanças e divergências em relação à identidade no que se diz respeito a crianças, adolescentes e jovens como sujeitos de direitos. O desenho do estudo buscou uma análise histórica acerca das políticas públicas, isto é, de como está consolidado atualmente.

A partir da perspectiva genealógica, retomando Michel Foucault (2008), serão expostas abordagens para o estudo das políticas públicas, dos objetivos do Estatuto da Criança e Adolescente e Estatuto da Juventude, de como ambos divergem e se assemelham.

Desta forma, verificar como historicamente o desenvolvimento das semelhanças e divergências entre os Estatutos no contexto brasileiro, logo como este público passou a ser motivo de interesse incorporado como políticas de Estado.

Em Foucault (2008), genealogia é fazer uma investigação da história dos sistemas, isto é, mostrar, uma mudança numa categoria de forças que possibilita a percepção de como o sujeito fica submetido ao poder político onde a relação de cultura os tornou sujeitos.

Conforme Foucault (1982) um procedimento de pesquisa cuja tarefa é chegar numa análise que possa dar conta do sujeito na trama histórica, ou seja, a partir dos enredos que se constroem e de modificações conduzidas das próprias práticas que se fundamentam ao longo da história.

Ao conferir os Estatutos da Criança e da Juventude sua história e genealogia foucaultiana torna-se fundamental no estudo problematizar sobre o interesse das políticas públicas do Estado em relação ao interesse da proteção integral de crianças e adolescentes, e assuntos de interesse da própria juventude.

A noção de políticas públicas a ser aqui desenvolvida refere-se conforme Kauchakje (2017) ao processo decisório no âmbito do Estado, portanto, uma ação governamental que pode ocorrer ou não com base de canais participativos e democráticos. De toda forma, às políticas públicas são entendidas como ação do Estado.

O Estado tem demonstrado interesse remetendo a realidade brasileira no intuito de colocar em evidência a fatores relacionados às crianças, adolescentes e jovens na medida em que a própria cultura passa a olhar diferente para estes sujeitos na preocupação conforme menciona Libório & Koller (2009) como educação, família, pobreza e trabalho.

Esse artigo tem como objetivo analisar e comparar possíveis semelhanças e divergências existentes entre o Estatuto da Criança e Adolescente e o Estatuto da Juventude. Foi realizada uma análise documental a partir da Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre a proteção integral da criança e adolescente, e da Lei nº 12.852, de 5 de agosto de 2013 que dispõe sobre princípios e diretrizes das políticas públicas de direitos da população jovem e o Sistema Nacional de Juventude.

 

Breve histórico das políticas da infância à juventude

Conforme Silva (2009) um dos resultados da Revolução Industrial foi a inserção da mão de obra infanto-juvenil no mundo do trabalho, logo definir a partir da faixa etária de quem é criança, adolescente ou jovem esteve relacionado ao âmbito do trabalho, em detrimento aos aspectos do próprio desenvolvimento do ser humano como sujeito da sua própria história.

Ao longo da história a utilização de crianças, adolescentes e jovens como mão de obra foi explorada por apresentar um baixo custo de remuneração para o empregador, e este não olhava para este tipo de trabalhador considerando-o como indivíduo de direito e em processo de desenvolvimento (ZORZI, KIELING, WEISHEIMER & FACHINETTO, 2013).

No século XIX, a relação do trabalho e exploração segundo Zorzi et al (2013) era tal que a reivindicação incluía a subdivisão da juventude em três etapas: a primeira corresponderia à faixa etária de idade entre 9 e 12 anos; a segunda entre 12 e 15 anos; e a terceira entre 16 e 17 anos. Progressivamente, seria permitido o trabalho desses grupos por duas, quatro e seis horas diárias, respectivamente. Os 18 anos corresponderiam à passagem a vida adulta. As faixas de idades apontadas representam uma perspectiva progressista da proteção à infância e à juventude do século XIX.

Na sociedade brasileira a criação do primeiro Código de Menores ocorreu em 1927 e ficou conhecido como Código de Mello Matos conforme o Decreto nº 17.943-

A. O Código de Mello Matos dentre outros fatores estabelece, por exemplo, a proteção infanto-juvenil até os dezoito anos de idade, e no âmbito do trabalho limita a idade mínima de acesso a ele, posterior aos doze anos e proíbe o trabalho noturno aos menores de 18 anos (GUCCI, 2017). Neste contexto o poder público instituiu medidas protetivas a este público, todavia não o considerou como sujeito de direito, mas como objeto de tutela, ao lhe atribuírem o termo menor abandonado ou delinquente. Ao poder público prevaleceu à prerrogativa a designar a autoridade jurídica competente às medidas de assistência e proteção em atendimento as políticas públicas voltada as crianças, adolescentes e jovens.

Em relação ao mundo do trabalho o Código de Mello Matos permitiu o acesso a partir dos 12 anos a esfera do trabalho conforme o Artigo proíbe em todo o território nacional o trabalho aos menores de 12 anos. Posteriormente, em 1979 a legislação sobre infância e juventude em atendimento aquele contexto histórico reformulou o Código promulgando o segundo Código de Menores.

Neste cenário criou a Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor (FUNABEM) e seus núcleos estaduais (FEBEM) adotando a Doutrina da Situação Irregular conforme o Art. 2° inciso I, doutrina esta que considera em situação irregular o menor que está privado das condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória.

É interessante notar que aparece neste artigo a prerrogativa de instrução obrigatória, em outras palavras a educação se apresenta como fator essencial na formação deste indivíduo.

Logo, essa doutrina refere-se ao fato de que, os menores serem considerados portadores de direitos ocasionalmente são aqueles que conforme Faleiros (2009) vivem em estado de patologia social, em outras palavras situação de perigo moral ou material, por exemplo, quando os responsáveis privam o menor das condições básicas para seu desenvolvimento ou ainda quando ocorrem maus tratos; uma vez que o enquadramento na situação irregular ocorria pelo simples fato da população infanto-juvenil ser pobre ou, além de pobres, terem praticado uma infração penal, desta forma, o Estado assume um papel interventor e regulador.

Apenas mais tarde, após a transição do regime de ditadura para um sistema de governo democrático ocorreram novas mudanças. Naquele contexto histórico foi promulgado a Constituição Federal em 1988, cabendo uma nova reformulação do Código de Menores.

A partir de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei Federal 8.069/1990) substituiu o Código de Menores. O Estatuto adotou a Doutrina da Proteção Integral postulando no seu Art. 15° que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na constituição e nas leis.

É importante observar conforme Fonseca (2009) que o Estado têm assinado acordos e compromissos internacionais, e neste caso, a Doutrina da Proteção Integral está mais bem expressa na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948 no seu artigo XXV, 2 ao mencionar que a crianças, adolescentes e jovens têm direito a cuidados e assistência especiais, além de proteção social.

O ECA conceituou no seu Art. quem é a criança e o adolescente, entretanto, a definição sobre juventude necessitou de maiores discussões no sentido que ambos, apresentam características específicas em relação a faixa etária, por serem sujeitos distintos com ideias, argumentos e opiniões diferentes acerca do mundo que os rodeiam, e principalmente em relação ao mundo do trabalho na medida em que o ECA estabelece uma divergência ao permitir que após aos 14 anos de idade, sem definir claramente quem é o jovem autoriza que esse adolescente/ jovem acesse o mundo do trabalho.

Conforme explica Nucci (2017) a situação de risco que está submetida a maior parte de que crianças e adolescentes acabam por ser levadas à entrada precoce ao mundo do trabalho, portanto o Estatuto cria uma sutileza entre adolescência e juventude a partir da faixa etária dos 14 anos pelo simples fato de liberá-lo antecipadamente ao mercado de trabalho.

Esse engenho também estava no fato de que jovens a partir dos 16 anos conquistaram historicamente com o apoio de entidades como a União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES) e da União Nacional dos Estudantes (UNE), através do Art. 14º da Constituição Federal do Brasil, o direito ao voto facultativo, de acordo com Gonçalves (2005) jovens se engajam nas lutas sociais e políticas ou em movimentos estudantis com propósito de um mundo melhor.

Portanto, o ECA considera crianças, adolescentes e jovens aqueles que possuem dezoitos anos incompletos, entretanto possuem acesso ao mercado de trabalho a partir dos 14 anos e voto facultativo aos 16 anos.

No decorrer dos anos logo após a publicação do ECA se discutia acerca da juventude, ou juventudes, tais características eram debatidas em seminários, simpósios e congressos explicitando uma legislação que atendesse esse sujeito de direitos. Essa conquista histórica ocorreu em 2010.

Foi incluso o termo jovem no texto da Constituição Federal, em 2010 (emenda constitucional n.º 65). Sua aprovação contribuiu para explicitar a juventude brasileira, como sinônimo de diversidade, com origens sociais diferenciadas e importantes configurações identitária.

Essa progressão histórica da legislação lança raízes mais amplamente no conjunto de representações sociais que cada sociedade e cada época constroem sobre sua própria concepção da criança, do adolescente e principalmente da juventude que segundo Franco (2011) não é uma tarefa fácil.

Foi somente a partir de 2013 que foi aprovada o Estatuto da Lei n.º 12.852 que institui o Estatuto da Juventude. A partir de então ficou mais objetivo definir por meio de leis quem é a criança, o adolescente e a juventude.

Atualmente, o Estatuto da Criança e do Adolescestes conhecido pela sigla ECA é um conjunto de leis específicas para cuidar dos indivíduos com idade inferior a 18 anos que vivem no Brasil de acordo com o texto publicado na íntegra conforme a Lei nº. 8.069, de 13/07/1990, no seu Art. que considera criança é a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquele entre doze (12) e dezoito (18) anos de idade.

Já no caso do Estatuto da Juventude conhecido pela sigla SINAJUVE de acordo com o texto publicado na íntegra conforme a Lei n° 12.852, de 05/08/2013 no seu § considera jovens as pessoas com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos de idade.

Para os autores Zorzi et al (2013) não uma definição única para os contornos da juventude, mesmo o que se apoiam em critérios etários. Ao considerarmos as realidades de diferentes sociedades, podemos identificar os critérios de enquadramento das categorias etárias tendem apresentar uma grande variação. Desse modo, pessoas consideradas jovens num determinado contexto tendem a não ter o mesmo estatuto em outros. Assim, o primeiro pressuposto da abordagem da juventude com base em critérios etários é reconhecer que uma definição dessa natureza será sempre realizada de modo arbitrário.

 

Divergências entre os estatutos

Os dois estatutos permitem perceber certa sutileza. O legislador prevendo evitar divergências entre os estatutos, isto é, no caso quando conflitar ocorrências na juventude entre quinze (15) dezoito (18) anos, orienta para que se aplique a excepcionalidade prevista no § 2 que menciona os adolescentes com idade entre quinze e dezoito anos à aplicação da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, a fim de garantir os direitos de proteção integral a crianças, adolescentes e jovens.

Estabelecer conceitos na faixa etária para adolescente e jovem nos Estatutos tem sido talvez a maior dificuldade, por isso divergem na fase entre 14 e 18 anos de idade. Para não ocorrer desentendimento jurídico prevalece as orientações do ECA.

Aparentemente o divisor está no acesso ao mercado de trabalho conforme explica as autoras Dell’Aglio e Koller (2011), pois a percepção social do jovem que trabalha é daquele que tem ingresso na responsabilidade adulta antecipada.

Do ponto de vista do entendimento, ambos Estatutos se assemelham ao que se diz respeito à saúde física e mental das crianças, dos adolescentes e dos jovens, evitando que se percam e desviem dos valores morais priorizando formação cidadã no seu sentido mais amplo.

Não menos importante está na filosofia que permeia o ECA por ser consistente na regra geral sobre o dever de respeitar as crianças e os adolescentes enquanto pessoas em peculiar fase de desenvolvimento.

De acordo com Silva e Lopes (2009) a adolescência constitui o período imediatamente anterior à juventude, e também constitui um período de interface com a infância. A juventude permeia a ideia de sujeito de direitos mais amplos em função das leis de proteção ao mercado de trabalho e a prerrogativa do voto facultativo.

Aparentemente, certas continuidades se apresentam no cenário atual. Claro que avanços sociais se apresentam a medida que a sociedade evolui, todavia o conceito de consciência histórica conforme Foucault (2008) é possível inferir em suas análises históricas que a noção de descontinuidade tem menos a ver com a simples oposição à linearidade progressiva da história, em outras palavras não ocorre neste tipo de política pública determinismos.

Logo, os sujeitos poderão um dia sob a forma da consciência histórica, se apropriar, novamente, de todas essas coisas, mantidas à distância pela diferença e restaurar seu domínio sobre elas. Imediatamente, esses sujeitos podem se debruçar sobre a legislação no que tange a ação do Estado e propor novas políticas.

Os Estatutos da Criança e Adolescente (ECA) e o Sistema Nacional de Juventude (SINAJUVE) como se apresentam atualmente demonstram um avanço da sociedade brasileira em relação à maneira de perceber esses indivíduos, nos quais se percebe como sujeitos e direitos durante o processo de desenvolvimento.

Em relação ao ECA, como forma de política pública contribuiu na diminuição do número de crianças e adolescentes que ficassem fora da escola, ou seja, o ECA apresenta um avanço social no que se diz respeito ao desenvolvimento físico, psicológico e cognitivo da crianças, adolescentes e jovens.

Neste sentido, prevalece a orientação que responsabiliza familiares matricular seus filhos na escola e ao Estado e suas instâncias a responsabilidade de ampliar a oferta da educação, em outras palavras, uma corresponsabilidade positiva.

Segundo dados do Censo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2017) as matrículas no ensino infantil continuam em ascensão, o que permite traduzir que lugar de criança é também na escola, e que este tipo de política pública vem atendendo a população que necessita deste tipo de serviço – uma ação assertiva.

O SINAJUVE demonstra um avanço por parte da ação do Estado sobre a predisposição mais criteriosa quando busca definir quem é o jovem, e criar critérios assertivos de políticas públicas que reconheçam no jovem um sujeito titular de direitos universais, geracionais e singulares respeitando-o e promovendo o seu bem-estar, através da segurança, cultura da paz, da solidariedade e não discriminação conforme expresso no Art. 2° da Lei n° 12.852 regida pelo seguinte principio:

I - promoção da autonomia e emancipação dos jovens;

II  - valorização e promoção da participação social e política, de forma direta e por meio de suas representações;

III  - promoção da criatividade e da participação no desenvolvimento do País; IV - reconhecimento do jovem como sujeito de direitos universais, geracionais e singulares;

V     - promoção do bem-estar, da experimentação e do desenvolvimento integral do jovem;

VI   - respeito à identidade e à diversidade individual e coletiva da juventude; VII - promoção da vida segura, da cultura da paz, da solidariedade e da não discriminação; e

VIII - valorização do diálogo e convívio do jovem com as demais gerações.

 

O Estatuto da Juventude permite uma compreensão acerca de um novo sujeito de direitos, desta forma, os jovens reiteram a importância do credenciamento da palavra de determinado grupo social para o exercício da cidadania e democracia no sentido mais amplo, principalmente na implementação de políticas que conquistem espaços nos setores da sociedade que não reconhecem os jovens como potencial sujeito de direitos.

É necessário ponderar que diferente do ECA, o SINAJUVE possui também objetivo de flexibilizar a entrada de jovens o mercado de trabalho por meio da modalidade jovem aprendiz, conforme uma breve síntese da Lei 10.097/2000 e artigos 402, 403, 428 e 432, que permite que empresas de médio e grande porte possam contratar jovens com idade entre 14 e 18 anos como aprendizes.

Entretanto, conforme nova publicação em 2005, pelo então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva através do decretou Lei nº 11.180, de 23 de setembro de 2005:

Art. 18. Os arts. 428 e 433 da Consolidação das Leis do Trabalho

- CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, passam a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 428. Contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 (quatorze) e menor de 24 (vinte e quatro) anos inscrito em programa de aprendizagem formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar com zelo e diligência as tarefas necessárias a essa formação.(D.O.U. de 26.9.2005).

O contrato de trabalho com durabilidade de até dois anos e com carga horária de até 6 horas, durante esse período. De acordo com a Lei 428 § 4º o jovem é capacitado na instituição formadora e na empresa, combinando formação teórica e prática.

Por outro lado, a convivência entre trabalho e escola têm ocorrido num arranjo perverso para a juventude, uma vez que não é possível conciliar tempo com o trabalho, pois não existe diálogo entre esses dois mundos como explica as autoras (DELL’AGLIO E KOLLER, 2011apud IBASE 2006).

Embora a legislação não crie empecilhos da juventude acessar o mercado de trabalho, isto nem sempre significa um avanço, uma vez que para aqueles jovens em situação de risco socioeconômico, trabalhar e estudar pode se tornar desgastante, pois de acordo com os dados do Banco Mundial (2018) jovens de 15 a 25 anos que vivem em lares afetados por quedas nos rendimentos mais chances de abandonar os estudos.

Muitos jovens têm optado pelo trabalho, segundo Baumam (2013) este grupo etário possui potencial contribuição no mercado de consumo, em prejuízo à própria formação.

O universo do consumo gera um detrimento em relação a educação. O documento Censo Inep (2016) menciona a taxa de evasão no ensino médio como principal fator de dificuldade em manter o jovem na escola. Para muitos jovens a escolha pelo trabalho já é uma realidade.

Quando jovens se submetem simplesmente ao regime de trabalho têm parte da educação prejudicada divergindo do ECA no seu artigo 54. II que menciona a progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio. Fazer com que jovens permaneçam na escola é atualmente o grande desafio por parte do Estado, e neste sentido é necessário rever as políticas públicas e definir prioridades.

Ao acessar o mercado de trabalho muitos jovens comprometem os estudos, sendo assim o que o próprio Estatuto prioriza em um momento, logo deixa se esvair por outro em função do contexto do mercado de trabalho. No SINAJUVE, o Art. diz que o jovem tem direito à educação de qualidade, com a garantia de educação básica, obrigatória e gratuita. Segundo Colaço e Cordeiro (2013) o atual abismo socioeconômico fragiliza jovens de baixa renda durante seu processo de formação.

Logo, pode ser verificado uma sutil fragilidade no ECA. O artigo 60 proíbe o trabalho a menores de 14 anos no sentido de garantir a escolarização mínima obrigatória, conforme explica Cavalliere (1997) que o Estatuto tem por objetivo impedir acesso ao mercado de trabalho adolescentes sem a devida maturação, o que pode prejudicar seu desenvolvimento.

Entretanto, conforme o Art. 65 o adolescente aprendiz, maior de quatorze anos, são assegurados os direitos trabalhistas e previdenciários; e ainda no artigo art. 63 afirma que se deve manter o acesso e frequência obrigatória ao ensino regular.

Segundo Callieri (1997) o ECA é irrealista ao regular o exercício desses direitos e garantias. O próprio estatuto marginaliza a faixa etária maior que 14 anos aos 18 anos. Se o direito previdenciário do jovem é igual ao de um adulto, e o jovem tem como prerrogativa o horário especial de estudante, fica implícito a opção daquele que contrata/emprega em preferir o adulto devido disponibilidade ao horário de trabalho, portanto, gera uma concorrência desleal.

Essa falha no Estatuto gera uma contradição, uma vez que adultiza o adolescente ou jovem ao emancipá-lo precocemente para o mercado de trabalho que nem sempre traz resultados positivos, muito pelo contrário, de acordo com a pesquisa de Dell’Aglio e Koller (2011) essas situações geram sofrimentos aos jovens que atribuem a si mesmos a culpa pela dificuldade de se integrar ao mercado de trabalho se agravando pelos entraves como o preconceito e educação oferecido pelo sistema escolar.

 

Considerações

As análises realizadas nesse estudo apresentaram de forma sucinta as transformações ocorridas nos Estatutos da criança e do adolescente e no Estatuto da Juventude. Identificaram-se analogias e divergências existentes entre os Estatutos, que confundem a identidade e os papéis sociais a serem desempenhados por adolescentes e jovens.

O ECA garante proteção contra a exploração do trabalho infantil. Enquanto que o Estatuto da Juventude incentiva o ingresso do jovem no mercado de trabalho. A interface da faixa etária de 15 aos 18 anos incompletos presentes nos dois estatutos promoveu a discussão desse estudo.

A relevância desse estudo se dá, por conclusão, de que há uma preocupação sobre a percepção dos indivíduos envolvidos nesse contexto, desde as crianças aos jovens, reconhecidos pelos Estatutos em estudo, de que o processo de educação e desenvolvimento desses sujeitos, são mantidos com segurança e protegidos por direitos que os permeiam, dando-lhes condições de cidadãos.

Essa segurança e proteção continuam, mesmo quando, durante os apontamentos contidos aqui neste artigo, sugerem reconhecimentos divergentes sobre as idades no tocante aos jovens.

Em síntese, historicamente, o processo de transição para a vida adulta dos adolescentes e jovens brasileiros foi realizado com base no trabalho muito mais do que na escola.

O trabalho permite o consumo, uma realidade da atual condição juvenil, portanto, a juventude é uma construção social em que cada sociedade forja uma ideia sobre essa transição, atribuindo noções, significados e papéis sociais. Os próprios jovens também se percebem nessas relações sociais e expressam sua condição juvenil de diferentes maneiras.


Referências

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Ademir Junior. Mestre em Psicologia Educacional (UNIFIEO); Pós-Graduado em História, Sociedade e Cultura (PUC-SP); Pós-Graduado em Formação de Professores Para o Ensino Superior (UNIP); Pós-Graduado em Formação em Educação a Distância (UNIP); Licenciado em Pedagogia (UNIMES); Licenciado em Geografia (UNIMES); Licenciado e Bacharel em História (UNIFIEO); Bacharel em Teologia (FAESP). Professor do Centro Universitário FIEO – UNIFIEO e Tutor na Universidade Cidade São Paulo.



VIRTUAL, Publicação Cruzeiro do Sul. As Semelhanças e Divergências entre o ECA e SINAJUVE. REVISTA PLURI, [S.l.], v. 1, n. 3, p. 157 - 166, ago. 2020. ISSN 2596-1098. Disponível em: <http://revistapluri.cruzeirodosulvirtual.com.br/index.php/pluri/article/view/144>. Acesso em: 15 ago. 2020.

 

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http://revistapluri.cruzeirodosulvirtual.com.br/index.php/pluri/index

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

VERBETES DIVERSOS

ACULTURAÇÃO: ato de sujeitar um povo ou amoldar tecnologicamente a um padrão reconhecido como superior. Como fenômeno de controle social de um povo sobre outro proveniente do contato entre diferentes sociedades e pode ocorrer em períodos históricos diferentes, estando sujeito apenas à existência desse contato entre culturas diversas.

 

DISCRIMINAR: é tratar por meio de prática adversa uma pessoa ou grupo de pessoas de forma desigual motivado pela sua raça, idade, cor de pele, sexo, língua, religião, opinião política, origem nacional ou social etc. diferente do preconceito que faz parte da estrutura mental de um indivíduo, a discriminação é a concretização do pensamento em atitudes, comportamentos e ações antagônicas e hostil. 

 

DESMISTIFICAR: ato de produzir a crítica ou denuncia verbal ou escrita visando desiludir um grupo de pessoas ou uma coletividade a respeito de uma opinião ou ainda um conjunto de opiniões, crenças, valores considerados como falsos, preconceituosos, ilusórios e mistificadores (mitificar é fazer acreditar em algo falso, enganoso). É possível compreender que desmitificar é desfazer uma ideia fixada em algo falso fantasioso irreal e inacreditável a luz da verdade.


OLIGARQUIA: O termo vem do grego e significa governo de poucos baseados no patrimônio, no qual os ricos mandam, e que, portanto, a riqueza é a única condição de se manter no poder. A oligarquia, era para Platão em sua obra República, o governo de um pequeno grupo escolhido por sua riqueza, que governaria a partir da hostilidade ávidos por poder e dinheiro, buscando multiplicar sua fortuna à custa do bem comum. Na contemporaneidade, o termo aponta a uma forma de governo de uma elite, ou poder político concentrado num pequeno número pertencente a uma mesma família ou ainda, um sistema social sob controle político de uma pequena elite - o governo oligárquico é também um governo de elite. O termo tem conotação negativa no sentido de conformismo e estrangulação das instâncias democráticas e pela falta de interesse político do bem comum.

 

RACIALISMO:  com a formação dos Estados nacionais europeus aproximadamente no século XVI, deu-se início aos estudos pelos Iluministas que enfatizavam as diferenças linguísticas e histórica de cada Estado/Nação, isto é, o estudo das diferentes raças humanas.  Um dos objetivos, era encontrar um sistema de valores universal, que pudesse ser estabelecido para todas as raças.  Já no século XVIII surgiu outra hipótese racial, a poligenista, que defendia a existência de diversas raças humanas. Ainda no século no século XVIII as diferenças biológicas não eram consideradas definitivas para a evolução humana. Foi na França (séc. XIX) que surgiu através da Antropologia Física as teorias racialistas que definia raça como um grupo humano cujos membros possuíam características físicas comuns. Contudo, está teoria voltou-se para a crença de que a raça não era apenas definida física, mas moralmente, bem como que as diferenças físicas acarretavam diferenças mentais hereditárias compreendendo à divisão do mundo em culturas, e por fim classificando as raças em superiores e inferiores. No século XIX, com o desenvolvimento da teoria evolucionista o conceito de raça migrou para as ciências sociais humanas, ganhou novas perspectivas com o chamado darwinismo social. Fundamentada na teoria da evolução e seleção natural afirmava a diferença das raças, bem como a superioridade de umas sobre as outras e, ainda, a tendência das raças superiores era submeter e substituir as outras. A aplicação prática dessas teorias possibilitou a criação de mecanismos sociais e políticos para reprimir as raças consideradas inferiores. Os pensadores eugenistas compreendiam cada raça tinha sua importância na escala evolutiva, sendo que a raça superior de acordo com a seleção natural para ordenar o mundo era a caucasoide.

 

RACISMO:  conjunto de teorias e crenças que estabelecem uma hierarquia entre as raças, entre as etnias e que consiste em percepções sociais baseadas em diferenças biológicas entre os povos. Contudo, o racismo pode ser percebido em nível individual, ou em nível institucional por meio de políticas que podem ser estudadas historicamente como o apartheid, o holocausto, o colonialismo, o imperialismo, dentre outros.



TIRANIA: O termo significa uma forma de governo sob o qual desaparecem todas as leis comuns, e só uma pessoa comanda tendo as leis em suas mãos, ou seja, regime no qual o arbítrio individual ocupa o lugar da lei. Este tipo de governo evita a divisão de poderes, e que concedido a um único soberano age de forma desmedida, ilimitado e incontrolável. Nas democracias contemporâneas, o termo tirania tem conotação negativa considerando uma forma degenerada de governo.

 

XENOFOBIA: proveniente do grego (xenos/xeno/estrangeiro) e (phóbos/fobia/medo) faz referência ao ódio, receio, hostilidade e rejeição em relação aos estrangeiros ou mesmo a comunidade de imigrantes. Neste sentido, etnocêntrico caracterizado pelo nacionalismo, pois gera a desconfiança em relação a pessoas que vêm de fora do seu país com uma língua, cultura, hábito ou religião diferente. Também é frequentemente utilizada em sentido lato como a fobia em relação a grupos étnicos diferentes ou face a pessoas cuja caracterização social, cultural e política se desconhece, ou seja, uma ideologia que consiste na rejeição das identidades culturais que são diferentes da própria. Atualmente, frente ao processo migratório fica perceptível a atitude xenofóbica que não compartilha da solidariedade humana.

 

Referências:

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes,  2007.

BOBBIO, Noberto. Dicionário de política. Brasilia. Universidade de Brasília, 1998.

BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

GARZA, Cecília de La. Xenofobia. Laboreal [Online], Volume 7 Nº2, 2011. Disponível em: <https://journals.openedition.org/laboreal/7924#ftn1>. Acesso em: 22 jul. 2020.

JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

JOHNSON, Allan G. Dicionário de Sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2009.





Ademir Junior: Mestre em Psicologia Educacional/Pesquisador em Educação.

ESTRANHOS A NOSSA PORTA (BAUMAN, ZIGMMUND)


O sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925 – 2017) legou um importante estudo sobre o fluxo migratório na Europa que se convencionou chamar de crise migratória como uma grande tragédia que se abateu sobre as populações migrantes.

A análise baumaniana identifica as condicionantes psicológicas que abrem um flanco para o ódio, o medo e a rejeição das populações europeias quanto aos migrantes económicos e refugiados de guerras, assim como aborda diversos ângulos das agruras e violações (físicas e psicológicas) a que estão sujeitas as populações migrantes no solo europeu.

Problematiza sobre, o sentimento de ameaça ao bem estar da sociedade europeia sobre  o sonho do mundo idealizado pelo liberalismo, por isso, explica que a fragilidade existencial e a precariedade das condições sociais humanas nos tempos globalizados, insuflada pela competição pelo mercado de trabalho e melhores condições de vida, criam uma profunda incerteza e medo nas sociedades invadidas pelos (estranhos/migrantes), que batem a (nossa porta/países europeus) e a quem se torna mais fácil culpar por todos os males gerados pela conjuntura política e económica da globalização.

De certa forma, Bauman, neste ponto, assemelha-se aos críticos da globalização hegemónica. Neste mesmo sentido está associado as pesquisas de Milton Santos na sua obra (Território, Globalização e Fragmentação) que aponta as mazelas da globalização.

Em primeiro lugar, porque a tragédia migratória tem como causa, em parte, as ações desastradas, mal conduzidas e calamitosas das expedições militares do mundo desenvolvido em países como Afeganistão, Iraque, Síria, entre outros Estados falidos

Essas intervenções, que buscaram substituir muitas vezes Estados ditatoriais, geraram desordem e violência por parte de grupos tribais e sectários, instigados pelo comércio global de armas, que é mantido pela indústria armamentista globalizada em busca de lucros.

Para Bauman, num mundo tomado por Estados (fracos/países de economia pobre), quase submersos em termos políticos, económicos e de proteção aos direitos de suas populações, estimulou- -se uma série de guerras tribais, sectárias e o banditismo.

Num mundo cada vez mais desregulado, desterritorializado e fora de ordem, a chegada dos migrantes provoca estranheza e receios de ordem económico-política, cultural e social nas populações receptoras, assim como medo de que sua segurança física esteja ameaçada.

Para Bauman esse pânico geraria animosidade, estímulo ao abuso e violência para com os migrantes, que já estão em situação de trágica vulnerabilidade

Bauman alerta inclusive para os perigos do oportunismo político, em que os partidos políticos, através das figuras públicas de seus candidatos, e os próprios mediam e ampliam o discurso xenófobo, racista sem precedentes, no intuito de angariar dividendos eleitorais ao promoverem soluções como (muros, cercas, deportações e outros obstáculos).

Enfim, Bauman, responde que o efeito colateral da globalização não está na construção de muros, na deportação maciça de imigrantes ou na criminalização e exclusão dos migrantes, mas encontra-se no diálogo multicultural, no intercâmbio e na compreensão mútua, no respeito recíproco para negociar conjuntamente a superação dos obstáculos.

 

BAUMAN, Zigmmund. Estranhos à nossa porta. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.

SANTOS, Milton; Maria A. SOUZA; SILVEIRA, Maria L. Território, Globalização e Fragmentação. São Paulo: Hucitec, 1994.

 

Ademir Junior: Mestre em Psicologia Educacional/Pesquisador em Educação.